Não consigo fugir à sombra!
Hoje fiz um jogo, apalermado
Quando saía do café.
Lembrei-me enquanto me perdi
No vapor que voava da chávena
E a perda encadeada da intensidade.
Foi esfriando, claro
Eu, consumi esta imagem
Com maior prazer, que o café em si.
E saí do espaço adjectivado
A um acto diário, recorrente
Que podia ser usado
Em qualquer outro lado.
Estava frio. Mesmo bastante frio
Para quem sai de um local aquecido
Tanto por dentro, como fora do corpo.
Estava sol, brilhante, maravilhoso
Como é a sensação de enfrentá-lo
De frente, de olhos fechados
E receber a energia quente
Que nos alimenta, tudo!
E veio a sombra,
Com um puxão discreto
Na bainha das calças
Só para dizer que estava ali.
"Está sol, estou aqui."
Tentei fingir que não
Que não existia, tentei frustra-la
Sem lhe ligar um segundo que fosse.
Tentei não mudar de direcção,
Para não me passar à frente,
Para não me contorcer o corpo,
Dobrar-me numa esquina,
Ser atropelado por um automóvel,
Tentei tudo para não a ver.
É impossível fugir à própria sombra,
Mas mesmo tentando, o gozo existe
A sensação impressiona
O desiquilibrio permanente,
O descontrolo gritante do corpo!
Sou um caos na minha sombra.
Deixo-me envolver
Sem perceber que me olham
Quando esses olhares me acusam
Em silêncio repulsivo
De uma certa loucura própria.
Mas não é! É admiração!
É a Física que me goza,
Que me faz gostar o que outros ignoram
E é esse Eu que quero ser.
Ser como a sombra
Irreverente, deformado à vista
Desarmada pelas atitudes,
À impossibilidade de ser controlado,
À surpresa seguinte, e às seguintes
Sempre que me concentre em algo diferente.
Ser diferente, não faz a diferença,
Apenas o é, e há que gozar as pequenas coisas
Que nos atraem, mesmo que estranhas.
Tudo porque bebi um café,
E lhe segui o esfumaçar,
E tropecei na minha sombra.
Hajam sol e vida,
Haja loucura suficiente!
17JANEIRO2017
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